Lei do Inquilinato e devolução do imóvel: quando a repintura é obrigatória?
- Michelli Reis
- 14 de jul.
- 3 min de leitura
Um dos momentos mais delicados da locação é a entrega do imóvel ao final do contrato. Frequentemente, o locatário se surpreende ao ser cobrado por reparos, mesmo quando o imóvel não foi entregue em “estado de novo” ou com pintura recente. No entanto, essa cobrança é legítima e amparada pela legislação.
Este artigo esclarece, de forma técnica e didática, por que o locatário tem o dever de reparar danos causados durante a locação, mesmo que o imóvel não tenha sido entregue com pintura nova, com base na Lei do Inquilinato, jurisprudência atual e boas práticas contratuais.
O que diz a Lei do Inquilinato
O art. 23, inciso III, da Lei nº 8.245/1991 estabelece que é obrigação do locatário:
“Restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal.”
Ou seja, a obrigação do inquilino não é devolver o imóvel "como novo", mas sim nas mesmas condições em que o recebeu, respeitando o desgaste natural pelo tempo e uso regular.
Pintura nova não é requisito para exigir conservação – mas pode obrigar repintura
É comum o imóvel ser entregue com pintura usada, porém em estado regular de conservação. Se durante a locação o imóvel for danificado — com furos, manchas, sujeira, mofo, trincas ou desgastes acima do normal — o locatário tem o dever legal de reparar esses danos antes da devolução, mesmo que a pintura não fosse nova.
Contudo, se o imóvel foi entregue com pintura nova (recém-executada, profissional, uniforme e registrada em laudo de vistoria), o locatário poderá ser responsável pela repintura ao final do contrato, conforme o princípio da restituição equivalente. Nesse caso, aplica-se o entendimento de que a pintura nova integra o estado original do bem e, salvo desgaste natural mínimo, deve ser restituída nas mesmas condições.
Tal obrigação pode estar expressa em cláusula contratual, sendo válida desde que proporcional e condizente com a conservação recebida.
✅ Tabela – Classificação dos danos e responsabilidades
Situação observada na entrega do imóvel | Classificação | Responsabilidade |
Paredes levemente desbotadas pelo tempo | Desgaste natural | Nenhuma |
Pintura entregue em estado regular, mas devolvida com manchas, furos, sujeiras ou mofo | Dano indenizável | Locatário |
Pintura entregue com desgaste leve e devolvida sem agravamento | Desgaste natural | Nenhuma |
Pintura nova entregue e danificada por uso | Dano indenizável | Locatário (reparo ou repintura) |
Pintura nova entregue com cláusula contratual exigindo repintura | Obrigação contratual de resultado | Locatário deve repintar |
Trincas ou danos estruturais decorrentes da edificação | Defeito estrutural | Locador |
A importância das vistorias de entrada e saída
A melhor forma de evitar conflitos é por meio de vistorias documentadas e assinadas por ambas as partes, com descrição detalhada e fotos. A ausência de vistoria inicial presume que o imóvel foi entregue em bom estado, salvo prova em contrário pelo locatário (art. 373, II, CPC).
Responsabilidades específicas do locatário
De acordo com a Lei do Inquilinato e as diretrizes práticas, o locatário é responsável por:
Reparos por uso indevido ou negligente;
Manutenção rotineira (limpeza, dedetização, troca de lâmpadas, torneiras, fechaduras, vidros quebrados);
Devolução do imóvel em estado de conservação compatível com a entrega inicial;
Repintura do imóvel, quando este tiver sido entregue com pintura nova e houver cláusula contratual expressa, ou quando comprovado o mau uso que comprometeu o estado da pintura original.
Consequências do não cumprimento
Se o locatário não realizar os reparos necessários:
O locador poderá reter valores da caução (se houver);
Pode ajuizar ação de cobrança pelos danos;
Pode incluir cláusulas penais específicas no contrato.
A devolução das chaves não impede a cobrança posterior por danos comprovadamente causados durante a vigência do contrato.
Conclusão: conservar é obrigação legal e contratual
O locatário não pode confundir “pintura antiga” com “autorização para uso descuidado”. Mesmo que o imóvel não tenha sido entregue com pintura nova, o inquilino deve preservar seu estado geral e reparar os danos que agravaram suas condições.
E se o imóvel foi entregue com pintura nova, o dever de repintura pode ser exigido ao final da locação — desde que haja previsão contratual ou comprovado prejuízo à conservação original.
A boa-fé, o equilíbrio contratual e o respeito à propriedade alheia são princípios fundamentais da locação. Cumprir suas obrigações evita litígios e garante relações seguras entre inquilino e proprietário.
Michelli do Vale Reis é Advogada especialista em Direito Imobiliário, Sucessório e Planejamento Patrimonial. Sócia na Reis e Oliveira Advocacia.
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